Thursday, May 3, 2007

O drama da transformação lean

A transformação lean envolve a alteração do comportamento e das atitudes das pessoas. Embora possa haver inúmeras trajetórias e estratégias de implementação, podemos considerar que uma transformação típica, freqüentemente, faz emergir um comportamento similar dos principais atores da empresa. Assim, julgamos ser possível identificar algumas reações comuns em uma transformação lean.
Em primeiro lugar, a alta administração gosta dos resultados da implementação com os melhores níveis de atendimento aos clientes, a redução de custos, a melhoria da qualidade, a liberação de capacidade, a redução da necessidade de investimentos etc. Portanto, tende a apoiar a implementação a medida em que os benefícios aparecem.
Mas nem sempre isso ocorre de forma consensual. Pode haver divergências entre diretores, competição com outras iniciativas, indicadores de desempenho inadequados etc. Por exemplo, a implementação implica, muitas vezes, em reduções de budget para investimentos, pois há uma significativa liberação de recursos (máquinas, equipamentos, instalações etc) podendo se conseguir um significativo crescimento com menores unidades adicionais de capital e trabalho. Mas muitos ainda podem querer vincular seu prestigio e poder a quanto gastam e não quanto economizam.
Por outro lado, os operadores, via de regra, gostam das mudanças porque se sentem mais valorizados e respeitados. A primeira coisa que apreciam é a existência um sistema claro e transparente de programação. Eles sabem o que fazer, sem depender dos humores e das mudanças abruptas e imprevisíveis dos supervisores e engenheiros. A definição do tempo takt como o ritmo de trabalho determina uma certa previsibilidade às operações. E quando surgem problemas, há um sistema de ajuda estruturado para a resolução dos mesmos. A análise detalhada do trabalho de cada um ajuda a eliminar inúmeras atividades sem sentido no trabalho de cada um e melhorar as condições de ergonomia e segurança.
Isso não significa que, principalmente os operadores antigos e acostumados a um sistema pouco eficiente, não possam ter dificuldades com um novo método em que muitas das folgas, e também as sobrecargas e irregularidades de trabalho, são eliminadas. Porém, esse apoio só é sustentado ao longo do tempo se houver um esforço para evitar demissões, utilizando as pessoas em novas atividades que agregam valor e possibilitando assim a expansão dos negócios em condições mais competitivas.
Então, onde está o drama se a alta administração gosta dos resultados e os operadores recebem bem a nova maneira de trabalhar?
O problema maior está no meio da organização, desde os supervisores até os gerentes que ficam confusos com os novos papéis esperados. As novas responsabilidades envolvidas colocam estas pessoas em um outro nível de importância, fundamentais para garantir o sucesso de transformação. Eles devem planejar os recursos e definir as expectativas. Devem garantir a Estabilidade através de uma orientação “mão na massa”, mais próxima do gemba, procurando se aproximar das situações reais e usando o método científico de resolução de problemas. Devem ter uma visão sistêmica procurando identificar as conexões entre as partes e os requisitos do negócio. E devem ter muito mais capacidade de planejamento.
Mas isso muitas vezes não é fácil. O foco em carreiras individuais obscurece a verdadeira razão para a existência de sua posição, ou seja, ajudar a operação a agregar valor e atender melhor aos clientes. Em apresentações, seminários e workshops, com freqüência, eles perguntam sobre a “resistência” ou “falta de disciplina” dos operadores. Praticamente não consideram a resistência deles mesmos. E eles são, na verdade, os mais indisciplinados e geradores do caos que afeta a todos. Mas devemos reconhecer que é difícil olhar para a sua própria realidade.
Um exemplo clássico é o kanban, o sinal de acionamento no sistema puxado. Quando há algum problema em sua operação, com freqüência atribui-se a indisciplina dos operadores. Mas não questionam como é feito o treinamento, como é atualizado o dimensionamento do supermercado em face de mudanças na demanda, como é feita (ou não é feita) a auditoria, o que estão fazendo para manter a estabilidade etc.
O nível médio da organização tem dificuldades de identificar seus novos papéis no novo sistema por serem obrigados a buscar novos conhecimentos, porque estão acostumados a apagar incêndios, o que os torna mais importantes, na visão tradicional deles e por se sentir menos valorizados do que os operadores, entre outros fatores.
Cada trajetória de implementação é única e os atores de cada empresa têm as suas peculiaridades. Mas esses elementos estão quase sempre presentes.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil

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